Uma série de graves acusações envolvendo o pastor Paulo Júnior, ex-líder da Igreja Aliança do Calvário, vêm ganhando força nos bastidores da comunidade evangélica brasileira. Com base em relatos e depoimentos de vítimas, o Fuxico Gospel compilou denúncias que apontam práticas abusivas, manipulação psicológica e condutas que podem ser enquadradas como crimes contra a dignidade sexual e contra a honra.
Paulo Júnior foi recentemente desligado da liderança da igreja após um processo interno iniciado em novembro de 2024. Em vídeo publicado em suas redes sociais, ele reconheceu “erros” e se disse “um mau pastor, mau pai e mau marido”, sem, no entanto, admitir a natureza dos atos atribuídos a ele. Para especialistas, o conteúdo do vídeo não configura uma confissão formal de culpa.
Segundo relatos de ex-membros da igreja, entre os abusos atribuídos ao pastor está a prática de convidar jovens — alguns menores de idade — para sessões de “ensino sobre higiene pessoal”, nas quais os rapazes eram induzidos a tomar banho nus na presença do líder religioso. Em alguns casos, o argumento utilizado seria o de que seus pais não os teriam ensinado a se lavar corretamente, e caberia ao pastor exercer esse papel “paternal”.
Em outra frente de denúncias, as sessões de aconselhamento e discipulado incluíam, segundo os testemunhos, interrogatórios constrangedores a respeito de práticas sexuais, especialmente masturbação. Jovens eram levados a descrever detalhes íntimos, como frequência, fantasias, posições e objetos usados. O suposto pretexto era o de que a confissão de pecados só seria válida se feita com “todos os detalhes”.
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Essas práticas, segundo advogados consultados pela reportagem, podem se enquadrar em diversos tipos penais. O artigo 215-A do Código Penal Brasileiro, por exemplo, trata da violência sexual mediante fraude. Isso ocorre quando o autor se vale de artifício ou engano para obter vantagem sexual. “Se ficar demonstrado que o líder usava sua autoridade espiritual para induzir jovens a se exporem, isso pode configurar crime sexual”, explica a advogada criminalista Gabriela Coelho.
Além disso, há possibilidade de enquadramento em crimes como assédio moral, abuso de autoridade e até corrupção de menores, dependendo da idade das vítimas. “Mesmo nos casos em que não há contato físico, a manipulação emocional e o constrangimento com conteúdo sexual pode ser considerado crime, se houver dolo e intenção de dominação”, pontua Coelho.
A carta publicada pela Igreja Aliança do Calvário, tardiamente segundo críticos, admite que houve “constrangimento emocional e espiritual por meio de ações verbais e não verbais”. O documento também reconhece que houve alternância entre “hostilidade e silêncio intencional” como forma de manipulação.
Essas condutas também podem configurar, do ponto de vista civil, dano moral coletivo. Ex-vítimas relataram à equipe do Fuxico Gospel que hoje enfrentam transtornos psicológicos e, em alguns casos, já tentaram suicídio. “Só depois de sair daquele ambiente conseguimos entender o que vivemos”, relatou uma das vítimas, sob anonimato.
Além dos abusos com os fiéis, o pastor também é acusado de agressões físicas contra músicos da igreja, inclusive durante cultos. Um dos episódios relatados indica que Paulo Júnior teria desferido socos em músicos que erravam notas durante o louvor. Dentro da casa pastoral, a situação não era diferente: há relatos de agressões físicas e psicológicas contra a esposa, a irmã Susana, que, segundo informações confirmadas por membros da igreja, chegou a tentar tirar a própria vida.
O processo que culminou no desligamento só foi finalizado após assembleia da igreja no início de 2025. Durante esse período, Paulo Júnior alegou burnout e pediu afastamento.
Especialistas afirmam que, se as denúncias forem formalmente apuradas e comprovadas, Paulo Júnior pode ser processado criminalmente. Caso condenado por crimes sexuais contra vulneráveis ou por violência psicológica, a pena pode ultrapassar dez anos de reclusão. Até o momento, não há informações sobre abertura de inquérito policial.
O silêncio das vítimas, de acordo com psicólogos, é comum em ambientes religiosos com forte autoridade hierárquica. “Quando o abusador é visto como pai espiritual, qualquer questionamento é interpretado como rebeldia. O trauma costuma vir anos depois, quando a vítima consegue nomear o que viveu”, explica a psicologa Jessica Batista.
Apesar da gravidade das denúncias, parte da comunidade evangélica ainda defende o ex-líder. Vídeos de apoio, inclusive de pastores como Yago Martins, circulam nas redes, minimizando o caso e tratando o episódio como fruto de desgaste emocional.